sábado, 8 de dezembro de 2018

A história por trás da foto viral de um menino na lagoa com duas onças

A história por trás da foto viral de um menino na lagoa com duas onças

Um garoto acompanhado de duas onças-pintadas em uma lagoa. Ele demonstra conforto com a situação e faz carinho em um dos felinos, enquanto o outro animal está com uma pata encostada no ombro esquerdo do jovem. A cena, que causou estranheza nas redes sociais nas últimas semanas, faz parte da rotina de Tiago Jácomo Silveira, de 12 anos, desde que ele era recém-nascido.

A imagem do garoto foi publicada, inicialmente, pelo próprio pai, o biólogo Leandro Silveira, de 49 anos. Depois, a fotografia foi compartilhada em páginas de Facebook e perfis do Instagram.


Em uma publicação feita no dia 23, um usuário do Facebook compartilhou a imagem de Tiago com as onças. A fotografia teve mais de 2 mil compartilhamentos e 22 mil reações, sendo as mais comuns delas o "amei" e o "uau". Na postagem, não há explicação sobre a origem do registro. Nos comentários, alguns disseram tratar-se de montagem, enquanto outros elogiaram a coragem do jovem.

Para Tiago, a repercussão da foto foi uma surpresa, pois considera se tratar de uma situação comum em seu cotidiano. O garoto frisa que muitas pessoas se surpreendam com o fato de ele conviver com onças-pintadas.

"Eu tenho alguns amigos que não acreditam nisso, acham que é 'fake'. Mas a maioria dos meus conhecidos acha isso muito legal e tem vontade de conhecê-las. Eu acho muito bom poder levar um pouquinho dessa experiência de vida que tenho para outras pessoas que não tiveram a mesma sorte que eu", afirma à BBC News Brasil.


Além do pai do garoto, a mãe, Anah Tereza Jácomo, de 49 anos, também é bióloga. Os dois coordenam o Instituto Onça-Pintada (IOP), que tem o objetivo de preservar e estudar o maior felino das Américas.

"O meu filho nasceu em um ambiente com onças-pintadas. Então, ele convive bem com elas desde a infância e sabe como lidar. Logicamente, a gente o instrui e impõe limites, mas hoje ele já sabe o que fazer ou não. É uma questão muito natural para ele", diz Leandro.

Em razão do convívio que teve com os animais desde pequeno, Tiago sempre considerou natural a proximidade com onças-pintadas. "O referencial dele é baseado na gente. Ele foi crescendo e aprendendo os limites, vendo o que poderia ou não fazer. Mas, para ele, é algo muito comum esse relacionamento, porque foi criado em um ambiente rural. Esse é o cotidiano dele. Não há nada de absurdo", afirma Leandro.


O garoto se considera privilegiado por ter se relacionado com as onças-pintadas desde pequeno. "Sempre foi uma relação de amor e respeito. Sempre gostei muito disso e sempre ajudei a cuidar dos animais", comenta.

Tiago ressalta que segue as instruções dos pais para lidar com os bichos. "Eles me ensinaram que o medo e o respeito são sentimentos importante e inteligentes. Porque quando você não tem medo e não respeita o animal, você não respeita o limite dele e, por isso, ele também acaba não te respeitando", pontua.

Desde que o filho era menor, Leandro ensinava ao garoto sobre a conduta que ele deveria ter com as onças-pintadas. O biólogo costuma passar os mesmos ensinamentos a pessoas que desconhecem informações sobre o felino.


"Esses animais não agem contra o ser humano, no sentido de nos ver como presas. Eles reagem às nossas ações. Então, é importante respeitá-los. Por exemplo, se ele está comendo ou nervoso, ele avisa que não quer proximidade, pela linguagem corporal, então é importante respeitar", diz.

"É fundamental entender os limites e não mexer com o animal quando ele não está bem. Não há como forçar algo com a onça-pintada. É importante compreender o momento em que ela quer ficar sozinha e se afastar. Quando ela quiser proximidade, se aproximará. Isso é uma regra fundamental para a convivência. Onça não é um animal social, mas cria laços para a vida inteira", acrescenta.

Segundo a bióloga, nunca houve incidente entre o garoto e as onças - e ela comenta que nunca deixou o filho sozinho com os animais.


"Sempre tivemos muitos cuidados. Não somente com as onças, mas com qualquer outro animal. Mas o mais importante é que o meu filho aprendeu muito cedo como conhecer cada um. Em nosso sítio, as regras de segurança sempre foram muito determinadas, claras e obedecidas", diz.

Na imagem que repercutiu nas redes sociais, uma cadela da raça blue heeler aparece próxima aos felinos. Os bichos mantêm uma relação de proximidade. Na Organização Não-Governamental (ONG), há outros animais, normalmente encaminhados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), como veados, macacos e lobos-guará. Segundo Leandro, todos vivem em harmonia.

O IOP está localizado na região rural de Mineiros, no interior de Goiás, em uma propriedade de 50 hectares, pertencente ao casal de biólogos. O instituto não é aberto a visitação, para evitar incômodo aos animais ou prejuízo aos estudos realizados no lugar.


O instituto é mantido com doações de empresários ou pessoas físicas e por meio de recursos particulares do casal de biólogos. "É uma eterna busca por recursos. Nunca são valores governamentais, porque o poder público nunca nos ajudou. Ultimamente, temos apoio de empresas. Mas 95% dos recursos têm sido particulares, meus e da Anah, por meio de assessorias que fazemos", diz Leandro.

No IOP, atualmente há 14 onças-pintadas. Destas, quatro são filhotes, dois são jovens e há oito adultos. Na última década, 35 felinos passaram pelo lugar. Normalmente, os que deixam o instituto são encaminhados para outros criadouros, para auxiliar na reprodução e preservação da espécie.

As onças-pintadas que chegam recém-nascidas ao criadouro não retornam à natureza porque a principal ameaça a elas.

A onça-pintada está presente em 21 países, entre eles Argentina e Estados Unidos. Em alguns, como Uruguai e El Salvador, ela foi extinta. O Brasil concentra a maior parte delas, abrigando 48% da espécie de todo o mundo. No país, o animal também está ameaçado de extinção.


"Temos de 20 mil a 30 mil onças-pintadas no Brasil. Elas são consideradas ameaçadas porque, ao longo dos anos, perdemos mais de 50% da distribuição original delas. A tendência é que, como todos os grandes predadores mundo afora, caso não haja política de conservação, ela seja extinta."

"É um animal que compete com condições humanas, tem riscos aos seres humanos. Então, a tendência do homem é eliminar. Tudo o que gera riscos, gera prejuízo. Se não criarmos uma política direta de compensação aos prejuízos que esses animais causam, ele vai ser eliminado", pontua. Segundo o biólogo, não há nenhum tipo de ação do poder público para a preservação dos felinos.

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